Como já levo uns aninhos disto, fui desenvolvendo estratégias- vou à frente, se possível. Se não, tomo um comprimido para o enjoo. Levo água, levo música, roupa leve, ar fresco. O calor ativa logo a náusea! Há alturas em que passo bem, mas há outras em que só de me sentar posso ficar enjoada. É aborrecido, mas é assim. Por isso, desde cedo aprendi ( pelo menos neste capítulo) a pedir o que preciso. E como não gosto nada da sensação, porque me ativa uma ansiedade que aumenta a náusea, faço o possível para a evitar. Pois claro! Mas há uma regra muito importante que aprendi, independentemente das estratégias do momento- manter um ponto fixo no horizonte.
Nestes meses de pandemia, tenho dado por mim várias vezes a dizer-me “mantém um ponto fixo no horizonte” e não relativo a transportes. Ando mais de bicicleta, por isso não enjoo! Mas de autocarro, a máscara ativa aquele “calor” que por norma trás o receio da náusea…mas nem tem sido nestas ocasiões. Tem sido mesmo no dia-a-dia, aliás, a cada mensagem de Estado sobre a nossa situação. Cada renovação de Emergência, Calamidade ou o que for, dou por mim a tentar regular a minha agitação interior com este “mantra”. E fez-me pensar.
Sem dúvida que além de todos os desafios que a vida nos coloca a toda a hora, este representa uma escala que aumenta tudo o que já houver na base. Se nos apanha numa fase serena, sem nos faltarem coisas básicas (um teto, afeto, algum dinheiro, emprego, família, saúde, etc.), talvez consigamos até usar a criatividade ou mudar os nossos hábitos para melhor. Mas não estamos todos no mesmo pé. E caso uma das “bases” esteja comprometida, o que pode influenciar e agitar é mais imprevisível.
Como se lida com algo desta dimensão, que afeta todos e que está a durar tanto tempo? Sinto-me grata por não ter termo de comparação, porque isso significa que nunca estive perante algo tão grande. Há países que durante a minha vida já passaram por mais do que uma guerra ou atentados ou algum fator de instabilidade de forma duradoura. Nós em Portugal, apesar das instabilidades económicas e de algumas demoras no desenvolvimento, temos tido paz.
A pandemia trouxe consigo a sensação de “ameaça” permanente, em várias dimensões. Sobre o vírus, não posso opinar- deixo com quem sabe essa tarefa. Mas sei que uma situação prolongada no tempo que toca nas nossas estruturas de sobrevivência pode despoletar reações desajustadas, trauma, desconexão, aumento de patologia, aumento da sensação de insegurança, desconfiança, isolamento.
A comunicação ambivalente obriga a ir buscar coerência de outro modo: escolho o que ouço ou o que vejo? A incoerência surge quando o que é dito e as ações não batem certo, não fazem sentido. E isso gera desconfiança e insegurança. E talvez, no momento em que escrevo, este aspeto me preocupe mais do que o vírus em si. Porque para se implementarem boas práticas elas têm que ser coerentes, fazer sentido. E neste momento, ninguém parece conseguir olhar o horizonte de forma a trazer esse sentimento.
Daí, de novo, o mantra ” mantém um ponto fixo no horizonte” tem feito tanto sentido. A questão que talvez se imponha é “que horizonte?”. Considero que é algo que cada um de nós tem que escolher- pode ser o foco na rotina, nos recursos, na consciência da necessidade e no pedido da mesma, na relação… o horizonte não tem que ser o futuro, o amanhã. Talvez seja só o “hoje”. O que me ajuda a sentir equilibrada hoje? Pode ser conversar com alguém ou estar um pouco sozinha. Pode ser tirar um dia livre, escrever, ler, cozinhar, limpar ou organizar. Algo que gere um sentimento de controlo no aqui e agora. Sentimento de chão firme por baixo dos pés, de verticalidade.
Quando eu ainda não sabia, tentava ir conversando com os meus pais, mudar de posição no carro, olhar pela janela lateral a paisagem.. e em menos de nada lá vinha a náusea! Raramente passou disso, mas de certeza que é fácil entender que não é nada agradável estar ” enjoada”. Tinha que pedir para parar, demorava imenso a passar ( e às vezes lá ia como estava!), tinha suores, ficava (ainda mais) pálida! Um suplicio! Sim, os medicamentos para o enjoo vieram dar algum alívio, mas se eu não cumprisse algumas regras em menos de nada estava na mesma.
Assim, o mantra “mantém um ponto fixo no horizonte” serve para me recordar que mesmo quando não tenho controlo sobre a estrada que estou a seguir, quanto tempo demora a chegar ou se tem muitas curvas, é possível manter-me calma, focada e segura. O tempo que for preciso.